Uma reflexão sobre postagens e planilhas que expõem o ambiente tóxico das empresas

Gabriel Lopes de Paula
5 min readJul 30, 2021

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Nas últimas semanas, dois acontecimentos geraram burburinhos nas áreas profissionais que eu tenho mais proximidade.

Primeiro foi um “exposed” no Linkedin de um profissional em cargo de liderança de uma startup. Ele teve uma fala que abria margem para uma interpretação de assédio moral. Alguém viu o comentário que foi feito no canal de comunicação da empresa e postou o print no Linkedin sem nenhum tipo de legenda, apenas com o trecho da fala que era basicamente uma ameaça de demissão por conta de um erro ocorrido em alguma demanda. Óbvio que houve uma enxurrada de comentários na postagem com diversas denúncias de acontecimentos tóxicos e nocivos a saúde mental dos funcionários tanto na própria startup como em diversas outras empresas de tecnologia.

O segundo acontecimento foi a famigerada “planilha das agências”, que todo ano ressurge nos círculos sociais do mercado de comunicação, com diversas denúncias e comentários problemáticos sobre a rotina das principais agências do país. A última vez que eu tinha checado a planilha, tinha pelo menos 3.000 comentários. Sim, 3.000 comentários em questão de 1 ou 2 dias sobre como é trabalhar nas agências de comunicação e marketing. Sim, infelizmente o anonimato abre margem para que muitos comentários racistas, machistas, homofóbicos e qualquer outro tipo de ofensa pessoal tenham sido feitos. Porém, é notório que a maioria dos comentários se trata de denúncias graves e rotinas completamente insalubres dessas empresas.

Print da Planilha de Agências de 2020 — Imagem: B9

Esses dois acontecimentos têm vários pontos em comum.

O maior de todos é que a fofoca é ótima. Sim, é muito gratificante a gente se “edificar” dos burburinhos que acontecem nas empresas. Alguns fatos são com pessoas conhecidas, outros nós nem fazemos ideia de quem é, mas no fim das contas a roda de amigos fica cheia de assunto ao longo do dia.

Outro ponto, que eu acho até óbvio, é que as empresas pecam demais em construir um ambiente saudável. Não importa o que as empresas digam nas redes sociais, elas ainda não possuem um ambiente ideal para que as pessoas se sintam bem e saudáveis. Temos que trabalhar para construir esse ambiente quando estamos na empresa, mas não vamos nos iludir, tá? Arco íris no logo e foto preta no feed não significam que as empresas sejam um paraíso diverso e acolhedor como elas querem transparecer. No fim das contas o importante mesmo é nos cercarmos nesses ambientes com pessoas que nos deem um conforto e um acolhimento para simplesmente conseguirmos trabalhar.

Esses pontos que comentei podem trazer reflexões gigantescas por si só, mas não é disso que eu quero falar. Eu quero falar do principal ponto em relação a esses acontecimentos de “exposed” que é:

AS PESSOAS NÃO CONHECEM E NÃO BUSCAM SEUS DIREITOS TRABALHISTAS.

Sim, é isso mesmo que você leu.

E assim, vou fazer um recorte bem generalizado dessa análise, porque quem não faz essa busca sobre seus direitos trabalhistas são os profissionais JOVENS. Sim. Os jovens.

Aquele jovem antenado que sabe tudo que está acontecendo nos trending topics, conhece todos os memes, discute política em mesa de bar sempre falando da importância do povo deixar de ser alienado, faz um monte de textão embasado na internet problematizando as coisas, simplesmente não sabe que seu horário de expediente é apenas de 8 horas por dia.

Ele ou ela não faz ideia do que é um assédio moral. Ou um adicional noturno. Ou uma realização de tarefa que foge do escopo de trabalho e se torna frequente.

Esse jovem não sabe.

Eu generalizo sobre esse jovem, porque é o perfil que está hoje no mercado de tecnologia e de comunicação. É o jovem que discute sobre o termo cringe ou sobre a CPI da Covid.

A pessoa sabe o que significa CRINGE, mas não sabe que se a empresa fizer trabalhar depois do horário de expediente, é obrigação dela pagar hora-extra.

Leia a imagem ao lado com este meme na cabeça

Esse mesmo jovem que gosta de falar sobre o ~~trabalhador médio~~ quando chegam as eleições.

“Não porque o trabalhador comum é um eleitor que só vai votar em fulano ou ciclano por isso, isso e isso” *leia esta frase pensando no meme do Pernalonga de batom*

Sabe tanto sobre o trabalhador médio e se esquece que na maioria dos casos também é um?

Eu garanto que o estereótipo de trabalhador médio que está na cabeça de quem gosta de comentar isso, é o primeiro tipo de pessoa que busca seu sindicato ou se informa com advogados quando sente que o patrão está abusando do seu poder. Ou que a empresa está deixando de pagar alguma coisa.

Não é só porque você trabalha em uma empresa que tinha happy hour depois do expediente ou pagava pizza para quem ficava terminando o job durante a noite que você deixa de ser um ~~trabalhador médio~~, tá?

Sabe esse negócio chamado CARTEIRA DE TRABALHO, você tem ela por um motivo. Sua mão de obra é vendida de acordo com um escopo alinhado com a empresa. Mesmo que você seja PJ, existe um contrato estabelecido. Você trabalha e a empresa paga. Ponto. Acordo de duas partes.

Se você não cumpre sua parte do acordo, é demissão. Se a empresa não cumpre a dela, é processo. Causa trabalhista. Ação.

Sabia disso? Chocante, né?

Funciona mais do que escrever anonimamente em uma planilha.

Sabe qual vai pagar suas contas? Muito provavelmente o valor do processo que você pode receber. Textão em planilha ou em postagem do Linkedin, que eu saiba, não rende dinheiro nenhum pra ninguém.

“Ah beleza, você está falando isso, mas até parece que é fácil processar uma empresa”

Sim, é. Mas eu não vou detalhar aqui como é, vou te dizer o seguinte, assim como você é um profissional de determinada área, também existem profissionais que entendem dessa situação. Só o que eu acho importante dizer é: guarde provas. Prints de conversas, e-mails. Tudo pode ser prova.

Jogue no Google ADVOGADOS TRABALHISTAS e pronto. Você tira suas dúvidas sem compromisso algum. Entende a situação que está vivendo e consegue ter uma ideia se a empresa está cumprindo a parte dela do acordo que vocês possuem ou não. Eles podem dizer até o que pode ser prova ou não.

Simples assim.

Tá passada? Pois é. Se informa um pouquinho sobre seus direitos e para de ficar se iludindo achando que vai viver uma lua de mel nas empresas. Escolha o convívio com pessoas que te acolham, te ajudem e te desenvolvam, mas não se esqueçam que além da pessoa física, tem um CNPJ por trás e um acordo estabelecido entre você e a empresa. Cumpra a sua parte e exija que a empresa também cumpra a dela.

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Gabriel Lopes de Paula

UX Researcher | Estrategista de Marca - Escrevo sobre reflexões e trabalhos da vida, do Design, da comunicação, da quebrada e de vários outros assuntos.